Intoxicação pelo Oxigénio
A intoxicação por O2 é um fenómeno que depende da pressão parcial a que este gás é respirado e do tempo de exposição.
Esses dois fatores limitam a exposição a este gás num determinado mergulho.
É por esta razão que os limites dados pelas tabelas são apresentados em termos de pressão parcial e tempos limites.
Quanto maior for a pressão parcial menor será o tempo de exposição (o mesmo comportamento observado nas tabelas de descompressão).
Os mergulhadores que utilizam EAN usam nos seus planeamentos de mergulho, além da tabela de descompressão, tabelas de limites de exposição ao oxigénio.
Então que tipo de problemas podem ocorrer quando respiramos oxigénio em altas pressões parciais? Na verdade, todos os órgãos do corpo podem ser afetados, mas os alvos principais são os pulmões (efeito Lorrain Smith ) e o sistema nervoso central (efeito Paul Bert ).
Efeito Paul Bert
Paul Bert, em 1878, foi o primeiro a observar os efeitos de altas pressões parciais de oxigénio no sistema nervoso central.
Analogamente ao azoto, que se torna tóxico com o aumento da profundidade, também a intoxicação com oxigénio aumenta com a profundidade.
No entanto, enquanto os sintomas de intoxicação pelo azoto vão aumentando progressivamente com o aumento da sua pressão parcial, dando sinais de alerta reconhecíveis, os sintomas de intoxicação pelo aumento da pressão parcial do oxigénio podem surgir abruptamente já numa fase bastante adiantada e perigosa, e sem qualquer aviso.
Por outro lado, enquanto o mergulhador vai aumentando a tolerância aos níveis elevados de pressão parcial do azoto, o mesmo não acontece com o oxigénio. Exposições repetidas a elevadas pressões parciais de oxigénio predispõem-nos para os efeitos da sua toxicidade, verificando-se não ser constante a tolerância para os mesmos perfis de mergulho e em mergulhos em dias consecutivos.
A toxicidade do oxigénio é devida às altas pressões parciais deste gás que alteram o metabolismo das células nervosas, trazendo todo o tipo de alterações neurológicas: as convulsões e as mais comuns que costumam ser lembradas com a ajuda da mnemónica VITRANT.
VITRANT
- Visão: qualquer distúrbio incluindo visão em túnel, etc.
- Irritabilidade: alterações da personalidade, ansiedade, confusão, etc.)
- Tremores musculares: especialmente nos lábios
- Respiração: dificuldade em respirar, respiração acelerada
- Audição: qualquer alteração na função auditiva, zumbidos, etc.
- Náuseas
- Tonturas: vertigem ou desorientação
Tremores e Convulsões
A maioria destes distúrbios são também sintomas de toxicidade do CNS devido à ação de outros gases (visão em túnel, irritabilidade, dificuldades respiratórias, etc.) mas os tremores são sintomas exclusivos da toxicidade aguda pelo oxigénio. O mergulhador, ao sentir qualquer destes sintomas, deverá abortar o mergulho regressando à superfície. Estes sintomas podem surgir isolados ou cumulativamente por ordem aleatória.
As convulsões são o sintoma mais grave, porque podem conduzir ao afogamento (quase certo) e podem aparecer como único sintoma sem qualquer aviso prévio.
Por poderem conduzir a um acidente muito grave, vamo-nos debruçar um pouco mais sobre ele.
Os sinais convulsivos são análogos aos de um ataque epiléptico.
Inicialmente existe um espasmo muscular, fase tónica (30seg a 2min) com ventilação ineficaz e inconsciência. O espasmo laríngeo associado pode comprometer a subida por não permitir a saída do ar dos pulmões (risco duma sobrepressão pulmonar).
Segue-se-lhe a fase clónica em que se sucedem contrações musculares mantendo-se o espasmo laríngeo.
Após estas duas fases os músculos relaxam e o mergulhador começa a ventilar profundamente para eliminar o dióxido de carbono acumulado, podendo manter-se inconsciente de 5 a 30min. Nessa altura é possível trazer a vítima inconsciente para a superfície mantendo-lhe o regulador na boca. Se tal não for feito a vítima corre perigo de afogamento.
Após recuperar a consciência a vítima pode sofrer de amnésia relativa àquele período e ficar em estado de exaustão.
Para além dos riscos atrás enumerados as convulsões não produzem danos a longo prazo, devendo-se, no entanto, evitar este tipo de situação a todo o custo.
Deve ter-se em consideração que o facto de um mergulhador que ultrapassou a PpO2 de 1,6bar e regressou para a uma PpO2 mais baixa (‹ 1,6bar), pode não evitar o aparecimento de convulsões. Este efeito normalmente anula-se ao fim de 3 a 5 minutos.
Efeito Lorrain Smith
O efeito Lorrain Smith pode fazer-se sentir em todos os órgãos (WBT – Whole Body Toxicity) sendo que os pulmões são os mais afetados pelo efeito tóxico do oxigénio.
Os alvéolos são revestidos por uma substância surfactante, que impede que os mesmos colapsem e permite que eles mantenham a sua função de efetuar as trocas gasosas.
Exposições muito prolongadas a pressões parciais de oxigénio superiores à normabárica podem causar destruição da substância surfactante e provocar lesões nos alvéolos, fazendo com que os mesmos possam vir a colapsar, prejudicando as trocas gasosas.
Os sintomas são face rosada, dor no peito, dificuldade em respirar, diminuição da capacidade vital, tosse e finalmente edema pulmonar.
Este tipo de problema está mais presente em mergulhos de saturação, tratamentos hiperbáricos longos, e em centros de terapia intensiva nos hospitais.
Face ao exposto, o efeito Lorrain Smith não deve preocupar os “mergulhadores nitrox”, nem mesmo com exposições em mergulhos de longa duração.
A exceção será no caso de vários mergulhos de longa duração em dias consecutivos ou seguidos de tratamento em câmara hiperbárica.