Barotraumatismos
DEFINIÇÃO
Consistem em lesões de tecidos corporais resultantes de alterações do volume de ar nas cavidades do corpo. Constituem os acidentes mais frequentes na prática das atividades subaquáticas.
Segundo a Lei de Boyle-Mariotte, estas alterações podem acontecer durante a descida do mergulhador, em que há redução de volume de ar nas cavidades, ou durante a subida, em que há aumento de volume de ar nas cavidades.
O sintoma predominante do barotraumatismo é a dor, podendo ser acompanhada de hemorragia.
BAROTRAUMATISMO OCULAR

Ocorre pelo esmagamento da máscara.
O espaço vazio da máscara gera um espaço gasoso externo, mas em contacto com a face. Se a pressão no interior da máscara não for compensada com a pressão exterior durante a descida, exalando ar pelo nariz, os tecidos da face podem ser “sugados” para o interior da máscara. Esta situação pode provocar pequenas hemorragias da pele da face, da conjuntiva ocular e eventualmente uma equimose de toda a área da pele coberta pela máscara.
PREVENÇÃO
É uma situação rara e a prevenção consiste em exalar ar pelo nariz para dentro da máscara durante a descida.
BAROTRAUMATISMO DO OUVIDO MÉDIO

Constitui a causa principal de acidentes nos mergulhadores. Existem dois tipos de barotraumatismos do ouvido, consoante ocorrem na descida ou na subida do mergulhador.
NA DESCIDA
Quando o mergulhador coloca a cabeça na água, o ar atmosférico que normalmente ocupa o canal auditivo externo (CAE) é substituído pelo meio líquido que envolve o mergulhador. Se o CAE está bloqueado, esta entrada de água é impedida e a membrana do tímpano vai sendo gradualmente empurrada para fora, originando o barotraumatismo desta estrutura, caracterizado por congestão e provável hemorragia até ao extremo, ainda que raro, da rutura da membrana do tímpano.
CAUSAS
As causas comuns de obstrução do CAE são rolhões de cerúmen, corpos estranhos e capuz do fato isotérmico demasiado apertado. Este acidente é facilmente prevenido ao assegurar a permeabilidade do CAE.
Porém, a causa mais frequente de barotraumatismo do ouvido durante a descida acontece quando o mergulhador é incapaz de equilibrar a pressão do ouvido médio com a pressão ambiente, através da Trompa de Eustáquio. Os animais marinhos não sofrem desta alteração potencialmente lesiva graças ao plexo arteriovenoso que possuem no ouvido médio, que se enche de sangue na descida e esvazia na subida, acomodando-se assim às alterações de volume.
CONSEQUÊNCIAS
Se o mergulhador não consegue que as manobras de compensação sejam eficazes e força a descida, surgem sensações de desconforto e de pressão no ouvido que rapidamente evolui para dor. Pode associar-se a sensação de vertigem e eventualmente a náuseas e vómitos. Se ocorrer o caso raro da rutura da membrana do tímpano, a dor é aliviada, predominando agora as sensações de vertigem violenta com náuseas e vómitos.
PREVENÇÃO
A Trompa de Eustáquio abre-se normalmente quando gritamos, movemos a mandíbula (manobra de Frenzel), engolimos ou enchemos o ouvido médio de ar através da manobra de Valsalva, a manobra de compensação mais eficaz na descida. Esta manobra consiste em apertar as narinas com uma mão e expirar pelo nariz.
A prevenção deste acidente consiste em assegurar uma Trompa de Eustáquio permeável antes de qualquer mergulho e numa execução correta das manobras de compensação. O mergulhador deve ter sempre em consideração algumas situações que interferem com a permeabilidade da Trompa de Eustáquio, nomeadamente alergias e infeções das vias aéreas superiores, álcool, período pré-menstrual, tabaco e desvios do septo nasal.
A abertura espontânea da Trompa de Eustáquio é a forma ideal de compensar o tímpano durante a descida, embora só apenas alguns mergulhadores tenham a felicidade de o conseguir.
NA SUBIDA
Normalmente, durante a subida, o ouvido médio abre passivamente (compensação passiva), sendo raras as situações em que são necessárias outras manobras de compensação. Porém, a manobra de Toynbee, cujo mecanismo é o inverso à de Valsalva, pode ser utilizada numa subida em que haja dificuldade em permeabilizar a Trompa de Eustáquio para o que ar saia, embora raramente com resultados satisfatórios.
Por ocorrer na subida e não na descida, em que o mergulhador pode simplesmente abortar o mergulho, a lesão do ouvido resultante da expansão do ar retido no ouvido médio durante a subida, é um acidente potencialmente grave.
CAUSA
O ar que entrou no ouvido médio durante a descida, devido às repetidas manobras de Valsava, expande-se durante a subida, de acordo com a lei de Boyle-Mariotte, e deve sair por onde entrou: a Trompa de Eustáquio.
O barotraumatismo do ouvido médio na subida é normalmente consequente a um barotraumatismo ligeiro do ouvido médio durante a descida ou ao uso prévio de descongestionantes nasais. O fator comum em ambos os casos é a congestão e impermeabilidade da Trompa de Eustáquio.
CONSEQUÊNCIA
Se a Trompa de Eustáquio estiver obstruída (secreções), a expansão do ar retido provoca sintomas de dor, sensação de vertigem, zumbidos e, raramente, perfuração do tímpano.
PREVENÇÃO
A prevenção consiste em evitar descongestionantes nasais, treinar as técnicas corretas de compensação e reter a mensagem de que se a descida ocorreu sem problemas de compensação, então é muito provável que a subida também ocorra sem complicações.

Existe sempre a possibilidade de perda de audição (surdez) em mergulhadores que foram vítimas de qualquer um dos barotraumatismos anteriores, por não terem realizado eficazmente as manobras de compensação. Esta perda de audição pode seguir-se imediatamente após o acidente ou desenvolver-se nos dias seguintes. Outros sintomas possíveis são zumbidos, náuseas e vómitos.
BAROTRAUMATISMO DO OUVIDO INTERNO
O mecanismo de lesão deste barotraumatismo sai do âmbito dos conhecimentos pretendidos para o nível do curso CMAS Two Star Diver.
BAROTRAUMATISMO DOS SEIOS PERINASAIS

CAUSAS
O barotraumatismo dos seios perinasais pode surgir quando as condutas que comunicam entre as cavidades dos seios e as fossas nasais estão obstruídas. Pode ocorrer durante a descida devido à redução do volume do ar no interior da cavidade do seio, provocando dor crescente com a profundidade, edema e hemorragia da mucosa que forra a cavidade do seio afetado.
CONSEQUÊNCIAS
Se o mergulhador respirar ar muito frio ou estiver a mergulhar com inflamações, alergias ou infeções na cavidade do seio perinasal, este pode ficar bloqueado durante o mergulho, podendo assim surgir um barotraumatismo no regresso à superfície. Nesta situaçã,o a dor é causada pelo aumento do volume do ar no interior do seio e pode persistir algumas horas após o mergulho. Geralmente, o alívio destes sintomas surge quando há libertação do ar retido, o que pode ser acompanhado por um ruído sibilante e saída de mucosidade.
PREVENÇÃO
A prevenção deste acidente consiste em evitar descongestionantes nasais, e assegurar uma boa permeabilidade, fazendo inalações com água salgada antes de iniciar o mergulho.
BAROTRAUMATISMO DOS DENTES
Surge quando uma pequena bolsa de ar se aloja numa pequena fissura de um dente ou de um material de obturação durante o mergulho. Esse ar, ao expandir-se aquando regresso para a superfície, pode comprimir estruturas dolorosas, como os nervos alveolares. Apesar da dor ser o sintoma mais frequente, estão descritos alguns casos de fratura de dentes, uma vez que o ar expandido força a estrutura do dente. A prevenção é óbvia e envolve a habitual higiene periódica.
BAROTRAUMATISMO GASTROINTESTINAL (cólicas do escafandrista)
CAUSAS
Deve-se à expansão de gases no interior do estômago e intestino durante a subida.
Os mergulhadores inexperientes estão mais predispostos a esta situação, uma vez que engolem ar e saliva com frequência. A execução frequente da manobra de Valsalva com a cabeça para baixo também predispõe a que mais ar seja introduzido no estômago. Outras causas são a ingestão de bebidas gasosas e refeições abundantes antes do mergulho.
CONSEQUÊNCIAS
Erutações, vómitos, flatulência, desconforto abdominal e cólicas.
PREVENÇÃO
Para tentar reverter esta situação, o mergulhador deve diminuir a velocidade de subida ou mesmo parar alguns minutos, tentando evacuar os gases. Como prevenção deve-se procurar descer com a cabeça para cima, não engolir a saliva, fazer a manobra de compensação corretamente, fazer uma alimentação isenta de farináceos e leguminosas e evitar as bebidas gasosas ou fermentadas antes do mergulho.
SOBREPRESSÃO PULMONAR

O barotraumatismo pulmonar é o acidente mais grave do mergulhador.
CAUSA
Resulta da deslocação, por diversos motivos, de uma determinada quantidade de ar do seu espaço natural (normalmente as vias aéreas e pulmões) para os espaços envolventes, como o espaço intersticial pulmonar, a cavidade pleural e a circulação sanguínea.
Este acidente é a manifestação clínica da lei de Boyle-Mariotte e resulta da expansão do ar no regresso para a superfície, provocando lesão grave na delicada arquitetura pulmonar. Este ar pode ser sequestrado voluntariamente ou involuntariamente por retenção da respiração ou como resultado de doença pulmonar.
No entanto, existem casos de barotraumatismos pulmonares sem evidência de doença pulmonar e em casos em que uma expiração aparentemente eficaz foi realizada durante a subida. Provavelmente existem outras causas para este acidente, cujos mecanismos inerentes ainda não estão completamente esclarecidos.
SINAIS E SINTOMAS
Os sinais e sintomas associados ao barotraumatismo pulmonar são dor aguda, normalmente retroesternal, exacerbação da dor e dificuldade ao respirar e tosse com expetoração sangrenta. Dependendo do trajeto do ar após rutura do pulmão, outros sintomas podem manifestar-se, em consequência de outras lesões: enfisema mediastínico e subcutâneo, pneumotórax e embolismo arterial gasoso.
ENFISEMA DO MEDIASTINO E SUBCUTÂNEO
Se o ar se escapa para o espaço intersticial, pode atingir o mediastino, nome dado ao espaço entre os dois pulmões, onde se encontram o coração, os grandes vasos e as vias aéreas principais. A presença de uma pequena quantidade de gás no mediastino é normalmente assintomática, mas, caso esta quantidade seja suficientemente grande, os tecidos locais são comprimidos, causando uma dor retroesternal moderada.
Outros sintomas possíveis são a sensação de plenitude torácica ou no pescoço e alteração na tonalidade da voz. O ar no mediastino pode migrar para o tecido subcutâneo do pescoço e, ocasionalmente, da cabeça (enfisema subcutâneo), cuja palpação local se assemelha à palpação de neve (sinal da neve).
PNEUMOTÓRAX
Ocorre quando o ar alveolar se escapa para o espaço pleural. Normalmente é assintomático, podendo causar uma dor moderada que aumenta com a inspiração. Se o pneumotórax é relativamente volumoso, surgem os sinais clássicos de dificuldade respiratória: cianose labial, diminuição dos movimentos do lado do tórax afetado e desvio da traqueia para o lado afetado.
Normalmente este acidente não envolve os dois pulmões, logo não é uma situação que coloque o mergulhador em perigo de vida, já que é possível sobreviver com um pulmão intacto. Ocasionalmente, a fuga de ar do pulmão para a cavidade pleural pode ser de tal forma, que o ar pleural em cada inspiração é impedido de regressar ao pulmão. Nestas circunstâncias, o volume do pneumotórax aumenta gradualmente, gerando um pneumotórax de tensão.
O pneumotórax de tensão é uma situação que coloca o mergulhador em perigo de vida porque, se o ar continua a escapar do pulmão perfurado, a pressão que se gera no interior do tórax pode levar ao colapso dos dois pulmões. Nestas circunstâncias, a cianose desenvolve-se rapidamente, o mergulhador entra em estado de choque, perda de consciência e pode morrer se não for tratado rapidamente.
À superfície, um pneumotórax de tensão é raro, mas um pneumotórax que ocorra em profundidade pode aumentar de volume durante a subida e tornar-se num pneumotórax de tensão. Se a sintomatologia do mergulhador piora durante a subida, especialmente se os sintomas predominantes são respiratórios, deve-se sempre suspeitar de um pneumotórax.

O companheiro de um mergulhador vítima deste acidente deve alertar rapidamente a emergência médica pré-hospitalar (112) e assegurar um Suporte Básico de Vida adequado. Uma atitude que deve ser instituída rapidamente é a administração de oxigénio na concentração mais alta possível (100%) com um caudal de 15l/min.
EMBOLISMO ARTERIAL GASOSO (EAG)
Se o ar que escapa de um pulmão lesado entra na circulação pulmonar, muito provavelmente migrará para o lado esquerdo do coração e será distribuído pelo corpo sob a forma de êmbolos gasosos arteriais.
Os dois órgãos alvo desta migração são o cérebro e o coração, que normalmente se manifestam de forma aguda. Estes sinais e sintomas podem ser alterações neurológicas como confusão mental, dificuldade em falar, alterações da sensibilidade, vertigem, convulsões, perda de consciência ou morte súbita. O mergulhador com suspeita deste acidente deve ser abordado segundo os procedimentos do Suporte Básico de Vida, sendo-lhe administrado oxigénio a 100% com um caudal de 15l/min.
As medidas preventivas para evitar este acidente passam pelo exame médico periódico especifico para a prática do mergulho, pelo respeito das velocidades de subida e pelo planeamento cuidadoso dos mergulho para evitar situações de emergência que obriguem a subidas rápidas ou em pânico.
VERTIGEM ALTERNOBÁRICA
É um problema comum entre os mergulhadores. Durante a descida ou, mais frequentemente, durante a subida, sobretudo na posição vertical, o equilíbrio da pressão no ouvido médio pode não realizar-se de forma simétrica, isto é, em simultâneo nos dois ouvidos. Isto pode resultar numa sensação transitória de vertigem, desorientação e náuseas. Normalmente, é uma sensação que dura apenas alguns minutos mas, se ocorrer a grande profundidade, pode ter consequências graves.
PREVENÇÃO
Esta situação pode ser evitada se o mergulhador, antes de iniciar o mergulho, se assegurar de que as manobras de compensação do tímpano são eficazes. Se o mergulhador for confrontado com esta situação, deve parar e apoiar-se no cabo de segurança ou no seu companheiro de mergulho, até que esta sensação desapareça espontaneamente.
VERTIGEM CALÓRICA
Quando o mergulhador introduz a cabeça na água, normalmente há uma entrada de água mais ou menos em simultâneo nos dois ouvidos (canal auditivo externo). Consequentemente, o aparelho vestibular responsável pelo equilíbrio (situado no ouvido interno), arrefece a uma velocidade mais ou menos simultânea nos dois ouvidos. Se um dos ouvidos estiver parcialmente ou completamente bloqueado, por exemplo, devido a um capuz de fato muito apertado, este arrefecimento faz-se de forma faseada nos dois ouvidos, resultando numa forte sensação de vertigem. Uma sensação semelhante ocorre quando há perfuração de um tímpano.
Tal como na vertigem alternobárica, esta sensação é, por norma, transitória, uma vez que a vertigem persiste até a água aquecer à temperatura corporal. Estes sintomas são mais intensos na posição vertical com a cabeça para baixo. Ao assumir a posição vertical com a cabeça para cima, estes sintomas são aliviados.